Esquema na SES recrutava pacientes diretamente das ruas com objetivo de aumentar a ocupação das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) durante a pandemia.


Num dos momentos mais sombrios da história do país, e no dia em que o estado de Mato Grosso atingia o pico de 128 mortes diárias devido à covid-19, os membros do cartel alvos da Operação Espelho não apenas criticavam o lockdown (fechamento de comércios e isolamento pessoal), mas também celebravam a ocupação total dos leitos destinados às Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). Em um grupo do WhatsApp, envolvidos no escândalo faziam comentários com risadas, brincadeiras e ironia, revelando que estavam admitindo pacientes sem prognóstico favorável, inclusive abordando pessoas nas ruas, tudo para manter contratos com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT).

Essa tática de admitir pacientes sem as devidas recomendações para as UTIs estava vinculada a um esquema milionário de desvio de verbas, envolvendo contratos superfaturados e direcionamento em licitações, que perdurou de 2020 a 2022. Segundo o Ministério Público do Estado (MP-MT), a organização criminosa contava com a aprovação do alto escalão do governo de Mauro Mendes (União), através da secretária-adjunta de Gestão Hospitalar da SES, Caroline Campos Dobes Conturbia Neves, considerada o braço-direito do secretário Gilberto Figueiredo.

Em uma parte do diálogo, obtida com exclusividade pela Gazeta e inclusa no aditamento da denúncia do MP-MT, os acusados demonstravam completo desdém e falta de respeito. O médico Renes Leão Silva, um dos denunciados, mencionou: "Primeira vez que ocupou 10 leitos na UTI. Peguei paciente na rua andando." Em resposta, Bruno Castro de Melo, sócio da empresa LB Serviços Médicos LTDA, junto a Luiz Gustavo Iglovo (um dos líderes do esquema), riu da situação.

Num áudio enviado por Renes, o médico argumentava a necessidade de encerrar o lockdown, alegando que os casos estavam diminuindo, e se o isolamento não terminasse, seria difícil manter as UTIs cheias. Ele sugeriu que o fim do bloqueio poderia aumentar a ocupação da UTI: "Se não acabar o lockdown, vai ser difícil manter essa ocupação cheia. Mas se acabar e o povo começar a cair de moto, beber, cair de telhado, esses rolos aí, aí a gente consegue ocupar mais fácil." Este comentário foi seguido por risadas dos membros do grupo.

Na época, o estado enfrentava um aumento de 25% nos casos de covid-19 e mortes. Na data da conversa, 5 de abril, a SES-MT havia notificado 317.254 casos confirmados, com 8.127 mortes por coronavírus. Naquela semana, 2.167 novos casos e 128 mortes foram registrados, marcando o maior número de óbitos desde o início da pandemia até aquele momento.

Quanto ao posicionamento do Estado de Mato Grosso e da Secretaria Estadual de Saúde, ambos optaram por não se manifestar publicamente sobre o assunto, aguardando o desfecho no Poder Judiciário.





Fonte: Da redação
Data: 29/01/2024